quinta-feira, 12 de maio de 2016

Valdrada

Acrylic painting on canvas, 60x50cm
LTR_CI_04_09


Os habitantes de Valdrada sabem que todos os seus atos são simultaneamente aquele ato e a sua imagem especular, que possui a especial dignidade das imagens, e essa consciência impede-os de abandonar-se ao acaso e ao esquecimento mesmo que por um único instante. Quando os amantes com os corpos nus rolam pele contra pele à procura da posição mais prazerosa ou quando os assassinos enfiam a faca nas veias escuras do pescoço e quanto mais a lâmina desliza entre os tendões mais o sangue escorre, o que importa não é tanto o acasalamento ou o degolamento mas o acasalamento e o degolamento de suas imagens límpidas e frias no espelho. 


The ancients built Valdrada on the shores of a lake, with houses all verandas one above the other, and high streets whose railed parapets look out over the water. Thus the traveller, arriving, sees two cities: one erect above the lake, and the other reflected, upside-down. Nothing exists or happens in the one Valdrada that the other Valdrada does not repeat, because the city was so constructed that its every point would be reflected in its mirror, and the Valdrada down in the water contains not only all the flutings and juttings of the facades that rise above the lake, but also the rooms' interiors with ceilings and floors, the perspective of the halls, the mirrors of the wardrobes.

domingo, 25 de outubro de 2015

Isaura

Watercolor, 21x29 cm
LTR_CI_02_07


Presume-se que Isaura, cidade dos mil poços, esteja situada em cima de um profundo lago subterrâneo. A cidade se estendeu exclusivamente até os lugares em que os habitantes conseguiram extrair água escavando na terra longos buracos verticais: o seu perímetro verdejante reproduz o das margens escuras do lago submerso, uma paisagem invisível condiciona a paisagem visível, tudo o que se move à luz do sol é impelido pelas ondas enclausuradas que quebram sob o céu calcário das rochas. 

Isaura, city of the thousand wells, is said to rise over a deep, subterranean lake. On all sides, wherever the inhabitants dig long vertical holes in the ground, they succeed in drawing up water, as far as the city extends, and no farther. Its green border repeats the dark outline of the buried lake; an invisible landscape conditions the visible one; everything that moves in the sunlight is driven by the lapping wave enclosed beneath the rock's calcareous sky.

sábado, 3 de outubro de 2015

Sofrônia

Acrylic painting on canvas, 80x60 cm
LTR_CI_08_09




A cidade de Sofrônia não podia ser mais simples nem mais fantástica (nem alguém que a imagine pode ser menos sutil): A cidade de Sofrônia é composta de duas meias cidades, uma é um parque de diversões, a outra é composta de bancos, escolas, oficinas – é feita de mármore. Uma das meias cidades é fixa, a outra é provisória. Você sabe, todos os anos pedreiros e habitantes musculosos trabalham para desmontar o mármore e levar meia cidade.

The city of Sophronia is made up of two half cities. In one there is the great roller-coaster with its steep humps, the carousel with its chain spokes, the Ferris wheel of spinning cages, the death-ride with crouching motor-cyclists, the big top with the clump of trapezes hanging in the middle. The other half-city is of stone and marble and cement, with the bank, the factories, the palaces, the slaughterhouse, the school, and all the rest. One of the half-cities is permanent, the other is temporary, and when the period if its sojourn is over, they uproot it, dismantle it, and take it off, transplanting it to the vacant lots of another half-city.

Bauci

Acrylic painting on canvas, 80x70 cm
LTR_CI_07_09


Há três hipóteses a respeito dos habitantes de Bauci: que odeiam a terra; que a respeitam a ponto de evitar qualquer contato; que a amam da forma que era antes de existirem e com binóculos e telescópios apontados para baixo não se cansam de examiná-la, folha por folha, pedra por pedra, formiga por formiga, contemplando fascinados a própria ausência.

There are three hypotheses about the inhabitants of Baucis: that they hate the earth; that they respect it so much they avoid all contact; that they love it as it was before they existed and with spyglasses and telescopes aimed downwards they never tire of examining it, leaf by leaf, stone by stone, ant by ant, contemplating with fascination their own absence.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Andria

Acrylic paint on canvas, 80x50 cm
LTR_CI_05_09


A correspondência entre a nossa cidade e o céu é tão perfeita — responderam —, que cada mudança em Ândria comporta alguma novidade nas estrelas. — Os astrônomos perscrutam com os telescópios depois de cada mudança que acontece em Ândria e assinalam a explosão de uma nova, ou a passagem do laranja para o amarelo de um ponto remoto do firmamento, a expansão de uma nebulosa, a curvatura de uma espiral da Via Láctea. Cada mudança implica uma cadeia de outras mudanças, tanto em Ândria como nas estrelas: a cidade e o céu nunca permanecem iguais.
'Our city and the sky correspond so perfectly,' they answered, 'that any change in Andria involves some novelty among the stars.' The astronomers, after each change takes place in Andria, peer into their telescopes and report a nova's explosion, or a remote point in the firmament's change of colour from orange to yellow, the expansion of a nebula, the bending of a spiral of the Milky Way. Each change implies a sequence of other changes, in Andria as among the stars: the city and the sky never remain the same.

Andria

Watercolor, 21x29 cm
LTR_CI_01_07


Ândria foi construída com tal arte que cada uma de suas ruas segue a órbita de um planeta e os edifícios e os lugares públicos repetem a ordem das constelações e a localização dos astros mais luminosos: Antares, Alpheratz, Capela, as Cefeidas. O calendário da cidade é regulado de modo que trabalhos e ofícios e cerimônias se disponham num mapa que corresponde ao firmamento daquela data: assim, os dias na terra e as noites no céu se espelham.


Andria was built so artfully that its every street follows a planet's orbit, and the buildings and the places of community life repeat the order of the constellations and the position of the most luminous stars: Antares, Alpheratz, Capricorn, the Cepheids. The city's calendar is so regulated that jobs and offices and ceremonies are arranged in a map corresponding to the firmament on that date: and thus the days on earth and the nights in the sky reflect each other.

sábado, 19 de setembro de 2015

Diomira

Acrylic painting on canvas , 80x80 cm
LTR_CI_06_09


Partindo dali e caminhando por três dias em direção ao levante, encontra-se Diomira, cidade com sessenta cúpulas de prata, estátuas de bronze de todos os deuses, ruas lajeadas de estanho, um teatro de cristal, um galo de ouro que canta todas as manhãs no alto de uma torre. Todas essas belezas o viajante já conhece por tê-las visto em outras cidades. Mas a peculiaridade desta é que quem chega numa noite de setembro, quando os dias se tornam mais curtos e as lâmpadas multicoloridas se acendem juntas nas portas das tabernas, e de um terraço ouve-se a voz de uma mulher que grita: uh!, é levado a invejar aqueles que imaginam ter vivido uma noite igual a esta e que na ocasião se sentiram felizes. 

Leaving there and proceeding for three days towards the east, you reach Diomira, a city with sixty silver domes, bronze statues of all the gods, streets paved with lead, a crystal theatre, a golden cock that crows each morning on a tower. All these beauties will already be familiar to the visitor, who has seen them also in other cities. But the special quality of this city for the man who arrives there on a September evening, when the days are growing shorter and the multicoloured lamps are lighted all at once at the doors of the food stalls and from a terrace a woman's voice cries ooh!, is that he feels envy towards those who now believe they have once before lived an evening identical to this and who think they were happy, that time.